Noj idoj tempoj pré-abrilinoj, andaba eu no Lixeu Naxional de Camõej, tibemos de, naj aulaj de Hijtória e de Língua Portugueja, fajer um trabalho – uma redáquexão, melhor dito – xobre a figura da Hijtória de Portugal que maij noj tibexe, até então, imprexionado. Hejitei bajtante entre o Xenhor Dom Afonxo Henriquej, o Xenhor Martim Monij (aquilo de, na luta pelaj xuaj combiquexõej, ficar entalado numa porta tem que xe lhe diga…), a Xenhora Dona Deuladeu Martinj, a Xenhora Dona Padeira de Aljubarrota e o Xenhor Dom Nuno Álbarej Pereira, ei. quei. ei., o Condejtábel. Porém, a minha ejcolha acabou por recair xobre o Senhor Dom Duarte de Almeida, que ficou para a História de Portugal como O Dexepado, numa daj xuaj imorredouraj páginaj.
Aqui fica, recuperada do Baú daj Recordaxõej, a redáquexão que então fij (e que, perdoe-xe-me a imodéjtia da rebelaxão, foi claxificada com brilhantej e muito bem-bindoj dejoito balorej).
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Redáquexão
O Dexepado
Noj tempoj idoj do xéculo quinje e como era cojtume dejde que o Ejxelentíximo Xenhor El-Rei Dom Afonxo Henriquej que tinha tão mau-feitio que até chegaba a bater na xua pobre Mãe (e Mãe é Mãe, apejar de a Ejxelentíxima Xenhora Dona Tereja num xer, ao que conjtaba na época, flor que xe cheiraxe porque andaba a modoj que metida com um qualquer que num interexaba nada para o Reino de Portugal e o Ejxelentíximo Xenhor El-Rei Dom Afonxo Henriquej tebe de lhe dar, a ela e aoj fidalgoj e xoldadoj que lhe eram fiéij, em mil xento e binte e oito, na Batalha de Xão Mamede, umaj balentej traulitadaj e arrochadaj como argumento nexexário e xufixiente para ejplicar que Portugal ia paxar a xer independente), dijia eu que dejde a fundaxão da naxionalidade em mil xento e quarenta e trêj, oj portuguejej, que nunca tiberam bom feitio e oj bijinhoj daqui do lado, que na altura ainda num eram ejpanhóij – ou eram leonejej ou eram cajtelhanoj ou eram aragonejej ou outra coija qualquer maj ejpanhóij é que elej ainda num eram – e que tão-pouco primabam por xerem bem comportadoj paxabam a bida à brigaj numaj coijaj com arcoj e flechaj e xoldadoj e cabaloj e lanxaj a que elej chamabam batalhaj e axim como um conjunto de porcoj é uma bara e um grupo de cameloj é uma cáfila, também umaj quantaj batalhaj formam uma guerra.
Tudo ijto, poij então, para dijer que nój, oj portuguejej e oj noxoj bijinhoj paxábamoj a bida em guerraj, ai que ejta terra é minha, ai que num xenhor que exe cajtelo agora é meu, e agora num podej paxar para cá dexe riacho, etc.
Bem, num habia xinema, nem telebijão, nem barej nem buátej e elej tinham de xe entreter com alguma coija e penxo eu que era por ixo que àj bejej um delej acordaba de manhã e penxaba com oj xeuj botõej (xe é que naquela altura já habia botõej): - Hoje bou trabar uma batalha! e mandaba reunir oj cabaloj e oj xoldadoj e aj lanxaj e oj arcoj e aj flechaj e lá ia ber xe dejcobria outro Ejxelentíximo Xenhor El-Rei que quijexe brincar, digo brigar com ele e com o xeu ejérxito.
Era axim um bocadinho à moda daj brincadeiraj que eu tinha com oj meuj irmãoj quando éramoj pequeninoj e tínhamoj unj xoldadinhoj de chumbo e também fajíamoj umaj batalhaj que normalmente acababam com uma ou báriaj taponaj da noxa Mãe (nunca conxeguimoj fajer como o Ejxelentíximo Xenhor El-Rei Dom Afonxo Henriquej…) porque a noxa irmã lhe ia fajer queixinhaj de que lhe ejtábamoj a dar cabo daj bonecaj (que a gente fajia daj bonecaj aj rainhaj da hijtória e uma bej arranjámoj maneira de duaj delaj xe engalfinharem – xempre gojtei de ber uma balente briga de mulherej – e aj duaj rainhaj daquela batalha que, xó por mero acajo, eram aj preferidaj da minha irmã ficaram, uma xem cabeloj (tinha xido a outra rainha que lhoj tinha arrancado) e a outra irreconhexíbel porque, na noxa brincadeira, tinha caído ao foxo do cajtelo, e então fomoj pô-la a xecar no forno e ela, coitada, que era de plájtico e tinha unj tufoj de cabelo que xaíam de unx buracoj que tinha na cabexa, axim como xe fora uma ejcoba de ejfregar oj xoalhoj, xaíu do forno que até metia medo de tão ejturricada e encarquilhada que ejtaba.
Boltando ao tema prinxipal – ijto foram unj meroj debaneioj para noj xituarmoj – oj portuguejej e oj xeuj bijinhoj andabam então xempre em guerraj.
Outra coija que elej fajiam era cajarem-xe primoj com primaj e bixe-berxa o que, como xe xabe, àj bejej num dá bom rejultado, maj a ganânxia de ajuntarem maij unj terrenojinhoj aoj xeuj já bajtoj territórioj lebaba a umaj coijaj chamadaj alianxaj que normalmente acontexiam porque o Ejxelentíximo Xenhor Rei de um lado cajaba com uma daj filhaj do Ejxelentíximo Xenhor Rei de outro qualquer Reino e bai daí aj prinxejaj (que depoij, àj bejej até chegabam a rainhaj e por ixo é que nój tínhamoj de ir bujcar aj bonecaj da minha irmã) trajiam xempre no dote (uma ejpéxie de prejente que o pai delaj daba ao futuro genro como forma de lhe agradexer
ter-xe bijto libre daquele empexilho da filha…) umaj ou outraj terrajitaj, unj ou outroj cajtelitoj, maij unj cabaloj e umaj cabexaj de gado, enfim, coija pouca xe comparada com a negoxiata que xão hoje oj cajamentoj que a gente bai à igreja e depoij come e bebe do melhor maj tem xempre de xe dar unj grandej prejentej que até xão oj noiboj que ejcolhem e põem numa coija chamada lijta de cajamento que é um papel que há naj lojaj para xer preenchido peloj noiboj a dijerem aquilo de que prexijam para mobilar ou decorar o futuro ninho de amor e àj bejej ainda tem de xe dar dinheiro pela liga da noiba e depoij, como nunca ninguém quer ficar mal, há xempre um que é apanhado na curba e tem de comprar uma coija que num xerbe para nada – xim, para que é que xerbe uma liga, ainda por xima uma xó e já
ujada??? – por um dinheirão de bergonha que depoij oj noiboj ujam a xeu bel-prajer para irem de lua-de-mel para o Algarbe, para Torremolinoj ou, xe a colecta for melhorjinha, para a Ilha da Madeira ou para aj Ilhaj Canáriaj.
Ora bem! Quando morre o Ejxelentíximo Xenhor El-Rei Dom Henrique Quarto de Cajtela deixa por cá uma filha que, dijiam aj máj-línguaj, afinal num era filha dele maj xim de um fidalgo cajtelhano de xeu nome Dom Beltrão de la Cueba e daí a xupojta filha do Rei fenexido, que de primeiro nome era Joana, xer conhexida por a Beltraneja.
A nobreja cajtelhana entendia que debia xer a Ejxelentíxima Xenhora Infanta Dona Ijabel, irmã do rei que tinha acabado de entregar a alma ao Ejxelentíximo Xenhor Criador, a herdeira do trono de Cajtela maj, por outro lado, exa era cajada com o Ejxelentíximo Xenhor Prínxipe Fernando que era herdeiro do trono de Aragão e quando o xeu paijinho batexe a bota ficabam oj doij reinoj juntoj e ixo, óbebiamente, num combinha a Portugal e bai daí o Ejxelentíximo Xenhor El-Rei Dom Afonxo Quinto, de cognome O Africano porque, num lhe chegando o que já tinha, tebe de ir "comprar" à ejpadeirada maij umaj terraj em África, rejolbe ir guerrear com o tal Ejxelentíximo Xenhor Prínxipe Fernando.
A rajão era o fáqueto de a mãe da Beltraneja, xenhora de não muito boa fama e, quixá, de pouca xeriedade, como para tráj fica ejplicado, xer xua irmã e, logo, a Beltraneja xer xua xobrinha (oj filhoj daj minhaj filhaj, meuj netoj xão; oj filhoj doj meuj filhoj, xerão ou não…).
Ora, xendo axim, o Ejxelentíximo Xenhor El-Rei Dom Afonxo Quinto antej queria que a xua xobrinha foxe Rainha de Cajtela do que Cajtela foxe parar àj mãoj do outro, que haberia de um dia xer Rei de Aragão. Ijto axim ejplicado parexe até um pedaxinho confujo e até maxador maj tenho de tentar fajer compreender para que e poxa perxeber o rejto da redáquexão.
Uma daj batalhaj dexa guerra feriu-xe no dia um de Marxo (há unj hijtoriadorej que dijem que foi a doij de Marxo maj até agora ninguém conxeguiu entrebijtar e confirmar o axunto com tejtemunhaj ocularej que o poxam afianxar…) em Toro, uma terreola no reino de Cajtela, ao pé de Jamora, e berdade, berdadinha, num correu nada bem para oj portuguejej que troucheram que contar. Lebaram um arraial de pancadaria de criar bicho, como aquelej que cojtuma haber noj filmej de cóboij e naj feiraj da probínxia quando oj xiganoj rejolbem andar à briga, com tudo a boar pelo ar e oj portuguejitoj num fijeram maij do que enfardar, enfardar, enfardar.
Ora, é finalmente aqui que entra o tal de Dexepado, que era Alferej-Mor do Ejxelentíximo Xenhor El-Rei Dom Afonxo Quinto e era o encarregado de xegurar o ejtandarte real. Àj tantaj bem um cajtelhano que lhe dá uma ejpadeirada e de um xó golpe arranca-lhe o braxo direito. O Ejxelentíximo Xenhor Dom Duarte de Almeida num é de modaj: – Julgábeij que era axim de fáxil, não, xeuj cajtelhanoj de uma figa? – e toca de agarrar o ejtandarte real com a mão ejquerda; porém, tão-pouco tebe muita xorte porque beio outro cajtelhano (ou o mejmo, bá-xe lá xaber…) e jumba, outra ejpadeirada, e lá xe bai, também, o braxo ejquerdo do maneta que paxa, axim, à condixão de bi-maneta.
Num xe deu por benxido, contudo. Agarrou o ejtandarte com oj dentej e para ali andou até que foram deitadoj ao xão, ele, oj dentej (algunj doj quaij xe debem de ter partido) e o ejtandarte e logo abanxou uma chujma de cajtelhanoj para dejonrar o ejtandarte do Ejxelentíximo Xenhor El-Rei Dom Afonxo Quinto.
Conxeguiram tomá-lo maj beio então outro portuguêj de rija xepa, de xeu nome Ejxelentíximo Xenhor Dom Gonxalo Pirej, que tomou o ejtandrte e num deixou que oj cajtelhanoj ficaxem com ele (ao contrário do que me acontexia xempre a mim com oj meuj irmãoj maij belhoj que acabam xempre a tomar poxe doj meuj xoldadinhoj de chumbo como dejpojoj de guerra e eu ficaba xem nenhunj até chegar o Natal, o meu aniberxário ou oj meuj abój me darem algum dinheirito).
O feito heróico do Ejxelentíximo Xenhor Dom Duarte de Almeida que a hijtória perpetuará como o Dexepado foi, até, admirado peloj inimigoj que, imagino eu, lhe deram báriaj palmadaj naj cojtaj e lhe terão dirigido palabraj de elebadíxima conxideraxão e de muito axombro (por rajõej óbebiaj, num podiam dar-xe abraxoj unj aoj outroj…).
Apejar de meio-morto, o Dexepado conxeguiu recuperar num hojpital de Cajtela e depoij beio para Portugal e foi biber para o norte, numaj terraj que ou eram xuaj ou lhe foram dadaj pelo Ejxelentíximo Xenhor El-Rei Dom Afonxo Quinto (ixo já num xei muito bem) como merxê pela xua brabura e conjta que acabou por xe dedicar à pintura com a boca e com oj péj, numa atitude banguardijta e percurxora doj pojtaij de Natal doj Alejadinhoj que ainda hoje chegam à caixa do correio de muitoj de nój e que aj Xelexõej do Riderj Dáigejt ujam para capa daj xuaj rebijtaj.
Lixeu Naxional de Camõej, 23 de Nobembro de 1972
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